Vida e obra de Henry David Thoreau e suas considerações sobre a literatura clássica

Luis Biston
5 min readJan 6, 2023

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Em seu livro Walden ou A vida nos Bosques, publicado em meados do século XIX — um tratado sobre o direito à liberdade a vida na natureza — , há um capítulo chamado “Leituras” onde o autor estadunidense discorre sobre a importância dos livros clássicos. Thoreau acreditava que os clássicos são os pensamentos mais nobres registrados pelo homem. “São os únicos oráculos que não se deterioraram”, em suas palavras.

Mas antes é preciso entender um pouco sobre quem foi Thoreau e suas obras…

Henry David Thoreau (1817–1862)

A Revolução Industrial, com o desenvolvimento da máquina a vapor, alterou completamente a dinâmica do trabalho e da produção. O homem se distanciou da natureza e a cultura do consumo disparou. Nunca houve tanta ganância e tantos interesses supérfluos. Os Estados Unidos estava em guerra com o México, guerra essa que culminou com os EUA anexando mais da metade do território mexicano. Thoreau, indignado que seu imposto estava sendo usado para financiar a escravidão e uma guerra, decidiu não mais fazer sua “contribuição”, sendo preso por um dia. Alguém — não se sabe quem — , interferiu e pagou o que Henry “devia” ao Estado.

É justo que um homem tenha sua liberdade privada por isso? As leis injustas são feitas para serem quebradas e isso é o que Thoreau irá defender em sua obra “Sobre o dever da desobediência civil”.

“Leis injustas existem; vamos nos contentar em obedecê-las ou nos esforçaremos para alterá-las e obedecê-las até conseguirmos? Ou devemos transgredi-las e pronto?”

“Se um homem que não tem posses se recusa uma vez a recolher nove xelins para o Estado, ele é colocado na cadeia por um período sem limite por qualquer lei que eu conheça, determinado apenas pela decisão de quem o colocou lá; mas, se ele roubasse noventa vezes nove xelins do Estado, logo teria permissão para sair de volta.”

Para Thoreau, a consciência deveria determinar o rumo das coisas e não necessariamente a vontade da maioria. A vontade da maioria muitas vezes é injusta, portanto, deve ser combatida.

O ensaio Sobre o dever da desobediência civil é até hoje referência para movimentos que lutam contra injustiças e influenciou diversas personalidades como Ghandi e Martin Luther King.

Henry David Thoreau ilustrado por A. Dan na obra “Thoreau: La vida sublime”

Em 1854 é publicado Walden ou A vida nos bosques, uma manifestação sobre a vida na natureza. Thoreau, disposto a não continuar com aquela vida, abandona a cidade e vai morar em uma cabana construída inteiramente por si localizada às margens do lago Walden em Concord, em Massachusetts. Obra transcendentalista, demonstra a real conexão do homem com a natureza. Por dois anos, Thoreau viveu ali de forma autossuficiente, comendo o que plantava, cortando lenha e se banhando todas as manhãs no lago Walden.

A obra não é uma critica a humanidade em sua essência, tendo em vista que o autor não se isola completamente, recebendo visitas de conhecidos. Thoreau tentou demonstrar — com muito sucesso — a possibilidade de uma vida mais simples e que muitos dos confortos que almejamos na vida são na verdade obstáculos para uma vida em paz.

“Cada manhã era um convite alegre para tornar minha vida tão simples e, devo dizer, inocente quanto a própria Natureza.”

“[…] a riqueza de um homem é proporcional às coisas que ele pode se dar ao luxo de deixar em paz.”

Lago Walden em Concord, Massachusetts.

“Aprendi com minha experiência de dois anos que custa incrivelmente pouco obter a comida necessária, mesmo nesta latitude; que um homem pode ter uma dieta simples como a dos animais e, ainda assim, manter a saúde e a força.”

Mais do que um relato sobre a vida na natureza e distante da loucura materialista da sociedade, a obra possuí uma profundidade filosófica sem igual. Em determinado ponto, no capítulo “Leituras”, Thoreau irá enaltecer os clássicos da literatura.

Para o Henry, ler livros verdadeiros em um espírito verdadeiro era um ato nobre. Os autores das grandes obras são uma “aristocracia natural e irresistível em toda sociedade e, mais que reis e imperadores, exercem influência na humanidade”. Essas obras clássicas estão em um patamar tão alto que “eles só foram lidos como a multidão lê as estrelas, na maior parte astrologicamente, não astronomicamente”. Para ler tais obras com toda sua complexidade não é necessário ser somente um bom leitor, mas sim um bom poeta.

Ler — pelo menos as grandes obras das quais Thoreau se refere — precisa ser um exercício intelectual nobre. Ao aprender nossas letras deveríamos ler o que há de melhor na literatura.

[…] é apenas leitura, em um sentido mais elevado, não a que nos embala como um luxo e deixa que as faculdades mais nobres adormeçam, enquanto isso, mas a que temos de ficar na ponta dos pés para ler e a ela devotar nossas horas mais alertas e despertas.

Thoreau afirmava que a palavra escrita é a melhor relíquia; algo íntimo de nós e mais universal que qualquer obra de arte. Não é à toa que Alexandre, o Grande, carregava a Ilíada de Homero consigo.

Todo amante da natureza deveria ler Walden, assim como todo cidadão que percebe que há males na sociedade deveria ler Sobre o dever da desobediência civil. Thoreau, morto por tuberculose aos 44 anos, permanece vivo com suas ideias dentro de todos aqueles que caminham para o despertar.

Walden ou a vida nos bosques, de Henry David Thoreau (Editora Planeta)

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